terça-feira, 27 de outubro de 2015

TIVE UM SONHO, MELHOR, UM PESADELO


 

TIVE UM SONHO, MELHOR, UM PESADELO

 
Mulla: - Papa, Torquemada quer me queimar vivo.
Papa: -Você merece Mulla, você merece.


 

Transcorria o ano de 1470 e os inquisidores da Santa Sé, que tinham sido expulsos da Alemanha, encontraram terreno fértil em Portugal e na Espanha onde Fernando de Aragão e Isabel de Castela estenderam sua soberania, com as bênçãos do Vaticano.

            Vi-me, de repente, participando do Tribunal da Inquisição do Santo Ofício julgando uma pessoa, que a princípio me pareceu Jesus, com sua barba atingindo o peito, os cabelos esvoaçando, olhar arrogante de quem se achava o melhor e o maior, orelhas de abano, nariz adunco e uma barriga protuberante.

            Com o crucifixo à mão, Torquemada o acusava de organizar o caixa 2 na igreja em Espanha.

            O acusado teimava em dizer que não sabia de nada, que não ouvira nada, e que nada fora provado.

            Eu detestava o Torquemada, também não me simpatizava com o acusado, mas mesmo assim saí em sua defesa.

            — Torquemada, não é justo condenar um cristão-novo que não sabe de nada!

            Surpreso, Torquemada me encarou e me acusou de ter tentado salvar a bruxa de Rouen da fogueira (referia-se a Joana D’Arc). Voltou ao ataque:

            — Ele se diz o Messias, trata-se de um herege, destilou seu fel.

            — Nisso você tem razão, respondi.

            — Ele diz ter descoberto um novo país, as terras de Vera Cruz.

            O acusado, com voz trôpega conseguiu balbuciar:

            — Vou chamá-lo de Brasil.

            — Então vai para a fogueira por suas heresias — agitou o crucifixo em direção ao cristão-novo, amarrado a um madeiro tendo aos pés uma pira.

            Sentindo-me responsável em dar combustível para a fogueira de Torquemada, lancei um último repto:

            —Torquemada, tens coragem de condenar à fogueira quem não sabe ao menos o que é heresia? — tentei apelar ao bom senso, coisa que o inquisidor-mor do Vaticano não tinha.

            Com os cenhos franzidos e olhar destilando ódio, Torquemada redarguiu:

            — Estás a dizer que o herege é analfabeto?

            — Sim, respondi timidamente.

            — Em nome do Santo Oficio ordeno sua internação no convento até completar a alfabetização — determinou Torquemada.

            — Não, isso não, — implorou o condenado-, mil vezes a fogueira.

 

            Voltou-se para o povaréu que queria ver carne assando na pira:

            — Quem vocês preferem que queime no inferno: Mulla, o analfabeto, ou Bardoso, o arrogante?

            E o povo em coro: Mulla, Mulla.

            Sai em defesa da Mulla, isto é, do Mulla e gritei:

            — Mas Bardoso causou o desemprego de vocês e vendeu os bens do estado para continuar no poder!

            E a massa: Mulla, Mulla.

            Torquemada esfregou as mãos de satisfação e deu o veredicto final: -       Crucifiquem-no!

            No Gólgota, Mulla suspenso nas traves do madeiro entre dois ladrões.

            Do lado direito, Valerius, o bom ladrão. Do lado esquerdo, Delubius, o mau ladrão.

            Delubius, o mau ladrão, implora:

            — Mestre, se tu és mesmo o Messias, livra-me dessa cruz, pois tudo o que roubei foi para eternizar o seu reinado.

            Valerius, o bom ladrão, suplica:

            — Mestre, tudo o que tomei emprestado foi porque acreditei em ti, lembra-se de mim quando entrares no teu reino.

            Mulla, o falso Messias, dirigindo-se aos dois ladrões:

            — Na verdade, na verdade vos digo: “Hoje mesmo estarão comigo no inferno.”

            Acordei suando, sentei-me na cama e tentei entender o sonho perturbador.

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